quinta-feira, 29 de maio de 2008

Tempo

Sentada à beira rio, vejo o meu rosto reflectido em espelho. É prata brilhante e espelha um sorriso de mágoas recuperadas. Percorreram vales e montanhas, ultrapassaram tempestades e trovões, atingiram abismos em lugares inimagináveis até chegarem ao ponto de partida; o princípio dos princípios. Trabalho árduo é percorrer por estes caminhos, descobrir como encontrar a saída em labirintos perfeitamente desenhados de formas geométricas, aparados por simulações e desilusões que pretendem tornar-se amigáveis, que fazem de tudo para se alojar em território alheio e enfraquecido pela dor. Assim mesmo é suposto ser. É este o passo que consubstancia o crescimento. Interiormente fortes e indomáveis, deixamos por outro lado, uma janela aberta para o mais pequeno raio de luz. O nosso mundo fica mais puro ao designarmos a intensidade da claridade que invade o nosso território. Desejamos que cometam loucuras, que atravessem oceanos ou percorram por destinos cruzados porém de que vale a pena lutar contra ti? Tu estás sempre aí, imóvel, aparentemente sereno, de jeito teimoso e a querer vincar sempre que mais um dia passa, cada vez que mais uma hora passou e não deixou lugar a possível repetição. Contribuis para o desenrolar de vidas, para o ultrapassar de caminhadas, e ainda assim consegues ser companhia que revolta os mais impacientes. Mas nada fará com que desapareças no tempo. Tu és o tempo que determina a idade, o momento, e a consequência. Somos inseparáveis. E da próxima vez que te cruzares comigo nas minhas contendas, vou deixar que deslizes pelo momento com a serenidade que a natureza me oferece todos os dias, e quando o primeiro minuto passar, olharei para o rio e a imagem espelhada será exactamente aquela que recebi no meu primeiro acordar.
Marta Mendes

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Break The Chain

A representação do vício...

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Party

O jantar está a ser servido. Será acompanhado pelas presenças habituais de uma sexta-feira á noite. O risotto de bróculos que delicia as costoletas de porco regadas de vinho branco e salpicadas de hortelã, farão uma de muitas outras delícias terrestres. O chef detem todas as especialidades da cozinha, muito para além da receita, que essa nem chega a existir, sabe como contornar uma dispensa vazia e sem sabor. Em dois segundos um prato é pensado e confeccionado. Á mesa estarão os bons garfos que enquanto aguardam pelo resultado final, vão depenicando nos aperitivos de pão coberto com tomate e mozzarela que derrete sobre as mãos, ao mesmo tempo que se sente o aroma de oregãos escolhido para despertar o nosso paladar. Chegado o tão esperado momento, somos convidados a sentar. A música não pode deixar de existir, não fosse ela o elemento que proporciona um convívio mais alegre, mais distinto e relaxante. Pode ser quase qualquer uma, desde que deixe boas vibrações. A primeira garfada permite aguçar todas as papilas gustativas pois para além de se poder comer só com os olhos, chega um momento que o próprio corpo pede pela real degustação. São actos próprios e muito próprios de cada uma que se senta á mesa. A bebida, a gargalhada que a segura, a conversa que forma o círculo das nossas contendas, as histórias que se debatem, as passadas e as contemporârenas, o piscar de olho que já denuncia alguma satisfação, marcam toda uma juventude, todo um fascínio de victórias. Sabemos que a noite ainda nos aguarda. As vestes já foram pensadas, apesar de toda a agitação criada á volta dessa escolha, conseguimos obter o conjunto perfeito. O vestido que nos enche as medidas, o tom da blusa que cobre o corpo, o tecido e consequente textura suave ou simplesmente aconchegante, servem os nossos designios. A pintura não podia deixar de ter o seu lugar determinante. Obviamente que se existe é para nos preencher. Agora que o corpo e o espírito se sentem predispostos a gargalhadas mais sonoras, mecanizamos todos os rituais rapidamente porque o táxi espera-nos lá fora. As agitações de uma semana de preocupações, as falhas de um sistema acomodado e desesperante ao nosso olhar, asseguram que nem que seja por uma noite de loucura, todas as horas e minutos que se seguirão estão sob a nossa alçada, estão sob o nosso domínio, que embora fantasiado e adormecido pelos nossos copos não vitimizarão o calor da nossa festa. As realidades, essas ficam em casa, ficam na mesinha que está mesmo ao lado do jornal para que amanha quando regressarmos da nossa levitação, saibamos qual é o nosso lugar.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Segredo

Rasguei aquela folha de papel, aquela folha de papel que trazias no bolso do teu casaco. Poderia ter afixado no quadro que deixaste lá em casa, todavia de que me adiantava guardar algo mais que te caracterizasse. Bastaram-me as longas e desesperadas horas de atenção para assegurar a especialidade de uma relação. Essa mesma agora que desvanecida pelo tempo como areia numa ampulheta desejava voltar ao de cima para uma nova partida. Acontece que nem só os telhados são de vidro, a ampulheta também se serve da mesma protecção. Por isso, não retomes, não existem inevitáveis á espera na tua porta, aí somente a aspiração a novas inspirações. De nada me serve a esperança ou a dita confiança, sendo certo que comportam a atitude de quem quer e deseja. Deixo que o tempo corra alegremente, sem as pressas do quotidiano, e creio que cedo se desmancham as ondulações de um mar bravo e inquietante. Tem dias que até antevejo o turbilhão de nuvens negras passando pela cabeça, os relâmpagos de uma noite quente que precedem a tempestade mas tudo isto detestado e encaminhado para os lugares do esquecimento. De pés descalços, à beira mar, sentindo a maresia que entra pelo corpo frio, de olhos postos naquele que até à bem pouco encontrei e não mais quererei largar, suspiro pela radiação solar que determina a minha imaginação, e quando volto ao meu lugar percebo a ligação dos elementos. Sei que ao alcançar o meu espaço oceânico os nossos caminhos não se cruzam, embora juntos por cá, em lugares diferentes, com tormentos e de refúgios idênticos, esconder-te não será seguro. Cultivo as diferenças mas nada ganho em dizê-lo. Escrevo sem porquê de nenhuma lembrança. As minhas palavras, estas, não passam apenas de uma passagem para aquilo que não se vê e não se sabe.